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ALCOOL E O CEREBRO

Nós temos nos referido ao Circuito de Recompensa como o local ativador das sensações de prazer e, ao mesmo tempo, o alvo de ação das drogas. Seria válida a conclusão de que a motivação para o uso do álcool fosse a busca do prazer, um prazer por si mesmo, puramente hedônico, mesmo que espúrio, mas um prazer.
Mas, muito embora a sensação de euforia produzida pelo álcool resulte da sua ação sobre o Circuito de Recompensa, para um bebedor contumaz os efeitos imediatos do álcool são muito mais direcionados a uma fuga da realidade do que qualquer outra coisa, e a ingestão de bebida alcoólica o satisfaz alterando-lhe a representação da realidade, habituando-o a esse comportamento como uma extensão da sua própria vida, sem a qual não se sentirá gente. Dessa forma, o comportamento de busca e consumo do álcool assume para ele uma importância fundamental e prioritária quando levados em conta o conjunto ético e prático de uma vida social familiar e comunitária, como também da sua própria saúde. Essa é a essência do alcoolismo, segundo Alan I. Leshner, PhD e ex-diretor do NIDA (National Institute on Drug Abuse). 
O álcool age por sua interferência na transmissão das mensagens entre os neurônios, atividade que envolve tanto os neurotransmissores quanto os receptores, ambos constituindo a parte química dessa função básica para a vida animal.
Juntamente com os ansiolíticos, opiácios e inalantes, ele deprime o funcionamento do Sistema Nervoso Central.
O álcool atúa como antagonista dos receptores (NMDA) de um neurotransmissor excitatório (glutamato) e ativador dos receptores (GABA-A) de outro neurotransmissor (GABA) de função inibitória. Essa dupla ação potencializadora da inibição seria catastrófica para o organismo, não fosse o poder adaptativo do equilíbrioTolerânciabiológico (homeostasia) fazendo com que o abusador crônico de álcool tenha aumentada a densidade dos receptores excitatórios e diminuida a funcionalidade dos receptores inibitórios, num estado que pessoalmente e, com finalidade didática, denominamos de engrenágem da dependência. Nos indivíduos não adaptados dessa forma, o efeito agudo do álcool ocasiona, desde um efeito sedativo, até um estado de embriaguez, com redução do nível de consciência, ao passo que, para os indivíduos já adaptados, haverá necessidade de uma dose maior para produzir o mesmo efeito, isto é, eles aguentam mais a bebida alcoólica, e a isto chamamos tolerância.
O seu efeito sedativo manifesta-se, inicialmente, por relaxamento e desinibição, diminuindo também a sensação de medo e punição.A sensação de euforia proporcionada pelo álcool provém da sua ação ativadora sobre receptores (dopamínicos) existentes no Circuito de Recompensa . Essa ação já tinha sido evidenciada anteriormente em roedores, mas só recentemente pode ser provada com evidências no homem, com o advento de técnicas mais avançadas (Boileau).
Se por ventura houver cessação ou diminuição significativa no abastecimento alcoólico, os receptores excitatórios, então aumentados, livram-se do seu freio alcoólico, ao mesmo tempo em que os receptores inibitórios diminuem a sua ação anteriormente aumentada pelo álcool, ocasionando um efeito reverso que se manifesta por uma sintomatologia de sofrimento que denominamos simplesmente de abstinência, que mais abaixo descreveremos. É possível que o aumento da atividade funcional dos receptores excitatórios seja a causa de eventuais crises convulsivas da abstinência em idivíduos predispostos.
O uso abusivo de álcool também pode reduzir os níveis de serotonina no SNC, e esta redução tem dado margem a numerosos trabalhos relacionados às depressões clínicas e também a atos de violência ocasionalmente verificados sob seu efeito.
Com a continuidade do uso começarão a surgir mudanças na emotividade e personalidade do alcoolista, tanto quanto prejuízos na percepção, aprendizado e memória, tornando mais lento o raciocínio. O alcoólico terá necessidade de uma observação visual mais prolongada para a compreensão do que se passa ao seu derredor, tendo também diminuída a sua capacidade de percepção espacial, isto é, da sua própria dimensão no espaço que ocupa, esbarrando com freqüência em objetos ou outras pessoas. Tem dificuldade de abstração e resolução de problemas. O estado de dependência leva a uma desmotivação para atividades relacionadas ao sexo que, somada a alterações hormonais e nervosas, afeta de forma importante o relacionamento sexual, tanto nos homens quanto nas mulheres. Essa é provavelmente uma das causas do ciúme patológico. O alcoólico sente que o seu desempenho sexual fica aquém do desejável pela sua parceira, considerando-a vulnerável a uma infidelidade ocasional.
Um alcoólico também pode apresentar um episódio de alucinações, principalmente auditivas, como o badalar de sinos, alguns ruídos familiares, vozes, etc., que cedem com a abstinência. Chamam-se alucinoses alcoólicas, e servem de alerta para problemas ainda mais graves que possam acontecer, se o hábito não for cortado a tempo. A causa mais freqüente dos problemas com a marcha, entre alcoólicos, reside no sistema nervoso periférico, quando os nervos distais são atingidos pela polineurite alcoólica, mas o cerebelo, o órgão central da coordenação motora, quando afetado pelo uso continuado de álcool, também produz os mesmos problemas, e se estes ocorrerem junto a surtos de pequenos movimentos repetitivos dos olhos (nistagmos) e alguma confusão mental, já estará indicando uma encefalopatia de Wernicke, doença que pode ser resolvida com a abstinência, mas se o uso do álcool não for interrompido, o alcoólico será atingido pela psicose de Korsakoff, uma devastadora doença psiquiátrica irreversivel, onde a pessoa esquece as coisas corriqueiras da sua vida diária assim que elas acontecem, reduzindo drasticamente os limites do seu campo de ação. Enquanto a memória remota ainda estiver preservada, as pessoas vivem literalmente do passado.
Essas doenças têm a haver com a deficiência de tiamina, ou vitamina B1cujo metabolismo é prejudicado pelo álcool. Assim, o alcoólico pode até comer bem e apresentar essa deficiência vitamínica, numa verdadeira fome oculta. Quando a engrenagem da dependência está ativada num alcoólico, ele procura um meio de abastecer-se freqüentemente para não sofrer os sintomas de abstinência, entre os quais destacamos:
Tremor da abstinênciaTremores: constituem um flagelo para os alcoólicos porque, além de denunciá-los flagrantemente da sua condição, limitam o uso das suas mãos, às vezes até mesmo para segurar o copo da bebida que lhe quebrará o jejum, aliviando também os outros sinais de abstinência. Não só as mãos tremem, pode tremer o corpo todo.
Náuseas: estas se apresentam logo ao despertar e impedem uma higiene bucal conveniente. Talvez o alcoolista não chegue a vomitar porque aprende contornar certas situações perigosas, como um desjejum adequado, isto é, muito reduzido ou ausente.
Sudorese: a transpiração excessiva dá ao alcoolista uma sensação de pele úmida, como se diz, um "suor frio", que vai melhorando na medida em que ele vai entrando na sua rotina habitual.
Irritabilidade: em sua residência, o alcoolista pode demonstrar-se irritado com seus familiares ou simplesmente com o ambiente doméstico. Um leve toque de campainha será suficiente para abalá-lo. Em um grau mais acentuado de dependência a sua perturbação de humor poderá atingir patamares mais elevados, apresentando transtorno de ansiedade e depressão.
Na esfera psíquica esses sintomas contribuem de forma muito significativa para aumentar o consumo de álcool.
Convulsões: o limiar para convulsões fica rebaixado nos casos de uso abusivo d
o álcool, tornando os seus usuários vulneráveis a episódios convulsivos, principalmente nos períodos de abstinência ou de diminuição dos níveis orgânicos de álcool ou da freqüência do uso da substância, como acima nos referimos.
Delirium tremens: é um quadro grave que pode assumir aspectos dramáticos, afetando os bebedores com longa história de uso que por qualquer motivo interrompam ou diminuam significativamente a ingestão de álcool.
O DT costuma acometer os alcoolistas após uns poucos dias (média de 3 a 6 dias) de abstinência
 ou até mesmo por uma diminuição na concentração alcoólica sangüínea que comprometa a já estabelecida adaptação (dependência) do seu Sistema Nervoso Central ao álcool. Ele se manifesta por rebaixamento da consciência, confusão mental, alucinações principalmente sensoriais, como a visual, e mesmo a sensação de contato com aranhas ou outros animais (quase sempre miniaturizados). Tremores, transpiração e muitas vezes febre. Podem sobrevir alterações metabólicas importantes com um risco de óbito estimado em cerca de 5%. 
Essa sintomatologia leva o paciente a uma desorientação no tempo e no espaço. É comum uma interação do paciente com a sua alucinação, conferindo-lhe uma sensação de pavor que aumenta ainda mais os seus tremores.
O paciente precisa ser contido na cama para evitar que se debata ou saia correndo, transtornado pelas suas alucinações.

FONTE: http://www.espacocomenius.com.br/cerebro_alcool.html

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