É bastante comum que os alunos do curso de Psicologia tenham dúvidas sobre qual abordagem seguir profissionalmente. Não é realmente uma escolha fácil. De certo modo, a escolha da abordagem é como uma segunda opção de profissão. Neste texto vou comentar sobre alguns fatos que os alunos devem considerar antes de tomar essa decisão.
Existe um pensamento um pouco enganoso na Psicologia. Afirma-se que a pluraridade de abordagens é desejável, que torna a área rica e com muitas possibilidades. No entanto, ter muitas opções só é algo positivo quando a maioria delas tem qualidade. É difícil definir “ter qualidade”, mas creio ser de concordância geral que, no mínimo, uma abordagem deve ter uma estrutura filosófica e teórica coerentes, ser capaz de explicar uma grande variedade de fenômenos, ter eficácia comprovada (preferencialmente com demonstração científica) e ser aplicável a uma grande quantidade de problemas práticos.
Como dito acima, escolher uma abordagem é como selecionar uma segunda profissão. A Psicologia é uma área muito ampla e as abordagens são imensamente diferentes entre si. Elas diferem em filosofia, objeto de estudo, teoria, linguagem, formas de pesquisa, dados científicos e práticas de intervenção. Todas essas características resultam em perspectivas muito particulares de como perceber o homem e como lidar com ele profissionalmente, e resultam em certas expectativas de postura do psicólogo. Antes de escolher qual forma de perceber a Psicologia e as pessoas é melhor para você, atente para essas diferenças.
Infelizmente, ser plurarista, utilizar um pouco de cada perspectiva não é uma solução adequada. Para começar, muitas características das abordagens são incompatíveis entre si, ou seja, juntar elementos pode resultar em um Frankenstein desajeitado e nada efetivo. Em segundo lugar, estudar um pouco de cada abordagem jamais permitirá que realmente se conheça profundamente um sistema teórico e de trabalho; a especialização é necessária, pois está intimamente ligada à qualidade profissional. Finalmente, formar uma colcha de retalhos transforma o psicólogo em um “despatriado”; possivelmente, nenhum colega vai considerar seu trabalho produtivo se ele for composto por uma montagem incompatível.
O primeiro e mais importante passo para escolher uma abordagem é não acreditar em seus professores. Vá além do que eles falam: procure textos, critique, tente responder as críticas, leia livros dos principais autores das abordagens. Deixe-se, sim, encantar pelo professor, mas não fique apenas no encanto. As abordagens são muito mais do que é possível explicar em sala de aula: têm história, passaram por crises, possuem conflitos internos, foram bem sucedidas em alguns países e expulsas de outros, regrediram, evoluíram, e assim por diante. É extremamente arriscado escolher uma abordagem sem conhecer seus autores e sua história. A dica de ouro, então, é: pesquise, estude, analise.
Já ouvi muitas pessoas dizerem que não é o psicólogo que escolhe a abordagem, mas o contrário. Talvez haja um pouco de verdade nessa afirmação. Alunos de Psicologia chegam ao curso com um conjunto de expectativas e opiniões.
Para escolher uma abordagem, é necessário conhecer sua (1) filosofia de homem, (2) a maneira como descreve as relações dos homens com o mundo e (3) seu sistema de intervenção, críticas e pesquisas sobre seus resultados. Neste texto, discutirei brevemente cada uma dessas características. O objetivo é que, em posse de informações, os estudantes possam decidir melhor sua abordagem. .
FILOSOFIA
FILOSOFIA
Vou explicar sobre filosofia de forma bem simplificada. As diferentes abordagens compreendem o humano de maneiras particulares. Enquanto a psicanálise e a análise do comportamento são deterministas, o humanismo e o existencialismo descrevem o homem com mais liberdade. Há abordagens que consideram o homem como um ser indivisível (análise do comportamento e alguns cognitivistas) e outros o separam em mente e corpo (psicanálise, humanismo). Algumas abordagens consideram o homem como um ser com uma busca, outras não estipulam qualquer natureza humana.
Antes de escolher uma abordagem, é necessário investigar qual delas tem uma visão de homem mais compatível com a maneira como você compreende o mundo. Outra opção é se deixar convencer por novas visões de homem. Abordagens mais voltadas para a ciência tendem a ser mais deterministas e não estabelecer natureza humana; abordagens mais filosóficas entendem o homem como um ser em busca de realização, mas possuem pouca ou nenhuma confirmação de seus resultados. A melhor alternativa é estudar e estudar antes de escolher.
HOMEM E MUNDO E OBJETO DE ESTUDO
Um pouco baseada na filosofia, cada abordagem tem uma teoria de como homem e mundo se relacionam. A abordagem cognitiva, por exemplo, enfatiza a importância do pensamento na construção dos comportamentos e sentimentos. A psicanálise foca processos inconscientes como os determinantes do homem. A análise do comportamento, por sua vez, enfatiza mais variáveis ambientais que estão fora e dentro do homem como causas dos comportamentos.
O aluno também deve prestar atenção ao objeto de estudo de cada abordagem. Para os analistas do comportamento, por exemplo, a Psicologia deve estudar o comportamento, compreendido como relação entre respostas externas e internas e o ambiente externo e interno. Os psicanalistas preocupam-se com a dinânica dos investimentos inconscientes. A ciência cognitiva foca pensamentos, crenças e regras. Novamente, somente estudo pode ajudar o estudante a tomar uma decisão.
SISTEMA DE INTERVENÇÃO E PESQUISAS
A filosofia e a teoria sobre a relação homem e mundo determinam o sistema de intervenção de uma abordagem. Há indicações sobre como lidar com todos os transtornos conhecidos? Existe uma literatura detalhada sobre intervenções em diferentes contextos? Existem pesquisas mostrando a efetividade das intervenções propostas? Como são feitas as críticas a cada abordagem?
A melhor maneira de responder a essas perguntas é procurar por revistas científicas (ou journals internacionais) sobre a abordagem. Livros podem ajudar, mas é nos artigos que as intervenções são, de fato, avaliadas. Na sessão de links existem indicações de sites de procura de artigos.
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