A mais antiga abordagem feita por Freud do problema das fobias foi seu primeiro artigo sobre as psiconeuroses de defesa (1894); tratou-o de modo um pouco mais completo, um ano depois, e voltou a aludir a ele no primeiro artigo sobre as neuroses de angústia (1895), escrito logo depois. Em todas essas discussões das fobias não é difícil detectar alguma incerteza; na verdade, em uma breve referência ulterior à questão, no segundo artigo sobre a neurose de angústia (1895), Freud qualifica de “obscuro” o mecanismo das fobias. No mais antigo desses artigos ele atribuiu o mesmo mecanismo à “maior parte das fobias e obsessões”, excetuando as “fobias puramente histéricas” e “o grupo de fobias típicas das quais um modelo é a agorafobia”. Essa última distinção ia provar-se crucial, pois implicava uma distinção entre fobias de base psíquica e fobias (as “típicas”) sem qualquer base psíquica.
O Pequeno Hans
(Trechos retirados do texto de Freud “Inibições, Sintomas e Ansiedade”, no que toca à fobia)
Vamos começar estabelecendo a diferença entre uma inibição e um sintoma. Uma inibição não tem necessariamente uma implicação patológica, seria a restrição normal de uma função. Um sintoma denota a presença de algum processo patológico, é uma conseqüência do processo de repressão.
Freud foi procurado pelo pai de Hans porque seu filho, um menino de cinco anos, se recusava a sair de casa, alegando medo de ser mordido por um cavalo. A partir do relato do pai, Freud o orienta, o que resultou num dos casos mais famosos de Freud, ao qual ele deu o nome de “o pequeno Hans”.
O pequeno Hans se recusava a sair à rua (inibição) porque tinha medo de que um cavalo iria mordê-lo (sintoma).
Ele se encontrava na atitude edipiana ciumenta e hostil em relação ao pai, a quem, não obstante, amava ternamente. Um conflito: um amor e um ódio dirigidos à mesma pessoa. A fobia deve ter sido uma tentativa de solucionar este conflito. O impulso instintual que sofreu repressão foi um impulso hostil contra o pai.
Ele vira um cavalo cair e também vira um companheiro de brinquedo, com quem brincava de cavalo, cair e ferir-se. Teve um impulso pleno de desejo de que o pai devia cair e ferir-se. Ao ver alguém partir, desejo que o pai também partisse, não atrapalhasse sua relação com sua mãe. Esta intenção de desvencilhar-se do pai equivale ao impulso assassino do complexo de Édipo.
Se o pequeno Hans, estando apaixonado pela mãe, mostrara medo do pai, não podemos apenas dizer que tinha uma neurose ou uma fobia. O que a transformou em neurose foi apenas uma coisa – a substituição do pai por um cavalo. Tal deslocamento é possível na tenra idade de Hans porque as crianças ainda não reconhecem nem dão exagerada ênfase ao abismo que separa os seres humanos do mundo animal. O conflito é contornado por um dos impulsos conflitantes (ódio) que são dirigidos para outra pessoa (cavalo).
O pai costumava brincar de cavalo com ele, o que sem dúvida determinou a escolha de um cavalo como um animal causador da ansiedade. O impulso de agressividade contra o pai deu lugar a uma agressividade (sob a forma de vingança) por parte do pai (cavalo) com o paciente, insinuada no medo do pequeno Hans de ser mordido pelo cavalo.
Sua fobia eliminou os dois principais impulsos do complexo edipiano – sua agressividade para com o pai e seu excesso de afeição pela mãe.
O pequeno Hans desistiu de sua agressividade para com o pai temendo ser castrado. O medo de que um cavalo o mordesse pode receber o pleno sentido do temor de que um cavalo arrancasse fora com os dentes seus órgãos genitais – o órgão que o distinguiria de uma fêmea. A força motriz da repressão era o medo da castração. A idéia contida na ansiedade dele – a de ser mordido por um cavalo – era um substituto, por distorção, da idéia de ser castrado pelo pai. Esta foi a idéia que sofreu repressão. Foi a ansiedade que produziu a repressão.
A ansiedade sentida em fobias a animais é o medo de castração do ego; enquanto a ansiedade sentida na agorafobia parece ser seu medo de tentação sexual – um medo que, afinal de contas, deve estar vinculado em suas origens ao medo de castração. É sempre a atitude de ansiedade do ego que é a coisa primária e que põe em movimento a repressão. A ansiedade jamais surge da libido reprimida.
No caso de Hans, foi sua ternura pela mãe ou sua agressividade para com o pai que convocou a defesa pelo ego? Somente o sentimento de afeição pela mãe pode contar com um sentimento puramente erótico. O impulso agressivo flui principalmente do instinto destrutivo; sempre acreditamos que em uma neurose é contra as exigências da libido que o ego está se defendendo. Depois de sua fobia ter sido formada, sua terna ligação com sua mãe pareceu desaparecer, havendo sido totalmente eliminada pela repressão, enquanto a formação do sintoma (formação substitutiva: castração pelo pai – mordido pelo cavalo) ocorreu em relação aos seus impulsos agressivos.
Esta formação substitutiva apresenta duas vantagens óbvias: Primeiro, evita um conflito devido à ambivalência (amor e ódio) em relação ao pai; Segundo, permite ao ego deixar de gerar ansiedade, pois a ansiedade que pertence a uma fobia é condicional – ela só surge quando o objeto é percebido, somente então a situação de perigo se acha presente. Não se pode livrar-se de um pai, mas se ele for substituído por um animal, tudo o que se tem a fazer é livrar-se de sua presença a fim de ficar livre do perigo e da ansiedade. Pequeno Hans não saía de casa para não encontrar qualquer cavalo.
As fobias têm a natureza de uma projeção devido ao fato de que substituem um perigo interno instintual por outro externo e perceptual. A vantagem disso é que o indivíduo pode proteger-se contra um perigo externo, dele fugindo e evitando a percepção do mesmo, ao passo que é inútil fugir de perigos que surgem de dentro.
A ansiedade sentida nas fobias de animais e, portanto, uma reação afetiva por parte do ego ao perigo – o perigo da castração.
A fobia dos adultos apresenta, fundamentalmente, posição idêntica. O paciente agorafóbico impõe uma restrição a seu ego a fim de escapar de um certo perigo instintual – o perigo de ceder a seus desejos eróticos, pois se o fizesse, o perigo de ser castrado, ou algum perigo semelhante, mais uma vez seria evocado como se fosse em sua infância. Como exemplo: um jovem se tornou agorafóbico porque temia ceder às solicitações de prostitutas e delas contrair doenças como castigo.
A sintomatologia da agorafobia torna-se mais complicada pelo fato de que o ego não se limita a fazer uma renúncia. A fim de furtar-se à situação de perigo, faz mais: em geral efetua uma regressão à infância. Tal regressão torna-se agora uma condição cuja realização isenta o ego de fazer sua renúncia. Por exemplo, um paciente agorafóbico pode ser capaz de caminhar na rua contanto que esteja acompanhado, como uma criancinha, por alguém que ele conhece e em quem confia; ou pelo mesmo motivo, poderá ser capaz de sair sozinho, contanto que permaneça a uma certa distância de sua própria casa e não vá a lugares que não lhe sejam familiares ou onde as pessoas não o conheçam. A fobia de estar sozinho não é ambígua em seu significado, independentemente de qualquer repressão infantil: ela é, em última análise, um esforço para evitar a tentação de entregar-se à masturbação solitária. A regressão infantil naturalmente só pode ocorrer quando o indivíduo não é mais uma criança.
Uma fobia geralmente se estabelece após o primeiro ataque de ansiedade ter sido experimentado em circunstâncias específicas, tais como na rua, em um trem ou em solidão. A partir desse ponto, a ansiedade é mantida em interdição pela fobia, mas ressurge sempre que a condição não pode ser realizada. O mecanismo da fobia presta bons serviços como meio de defesa e tende a ser muito estável. Uma continuação da luta defensiva, sob a forma de uma luta contra o sintoma, ocorre com freqüência, mas não invariavelmente.
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