Apesar de a velhice ser um fenômeno biológico, a forma como cada pessoa envelhece está determinada por questões subjetivas, condicionadas às questões da hereditariedade, do social e do cultural, incluindo-se aí a sua história de vida (Santos, 2003). Assim, a sociedade destina um lugar e um papel ao indivíduo que envelhece, diferindo de acordo com o contexto social em que está inserido. Desta forma, não existe uma velhice, mas velhices que diferem de acordo com o gênero, classe social e intelectual, fato que torna fundamental uma visão singularizada para cada idoso.
No Brasil existem pesquisas que mostram como os próprios idosos simplificam o envelhecimento humano, a partir das perdas, representando o processo com predisposições desfavoráveis, estereótipos negativos e preconceitos. Em estudo desenvolvido por Santos (1990) acerca da influência da aposentadoria sobre a identidade do sujeito, foi observado que nas sociedades modernas a ênfase continua sendo dada à juventude e à capacidade de produção, ou seja, "ser velho representa um afastamento do mundo social" (p.22). Em contrapartida, Debert (1999) aponta para a abertura de espaços para que diversas experiências de envelhecimento bem sucedidas possam ser vividas coletivamente, como, por exemplo, os grupos de convivência de idosos e as universidades da terceira idade, entre outros.
Na realidade, segundo Motta (2004), coexistem as duas imagens da velhice: a tradicional, naturalizada, do velho inativo, mas “respeitável”; e a nova imagem, mais dinâmica e participante em determinadas situações sociais. Neste sentido, de acordo com Néri (1993), é o desconhecimento do que significa ser velho que induz a práticas com foco ideológico, que contribuem para a manutenção e propagação de mitos, estereótipos negativos e preconceitos acerca da velhice. A concepção da velhice enquanto perdas e limitações ou a incapacidade de procriação, a morte do cônjuge, a inatividade sexual e abdicação compromete o entendimento de outras possibilidades de trajetórias, pautadas no reconhecimento do envelhecimento como experiência diversificada e sujeita à influência de diferentes contextos sociais, levando a velhice a um processo de fragilização e vulnerabilidade frente às vicissitudes de algumas doenças.
A expectativa de vida, atualmente ultrapassa os 80 anos, proporcionando ganhos não apenas quantitativos, mas atribuindo novo significado e novas possibilidades à velhice, tais como: o casamento, a partir de 60 anos, a volta à produtividade, visando ao sucesso profissional, a volta aos estudos, em especial, a matrícula em uma universidade, a oportunidade, enfim, de aproveitar com plenitude a aposentadoria, antes considerada uma sentença de morte lenta (Cruz, 2005).
Esta mudança do perfil demográfico poderá ter impacto sobre o sistema de saúde brasileiro, exigindo uma adequação às condições de vida das pessoas com idade acima de 60 anos. A saúde e a qualidade de vida dos idosos, mais do que em outros grupos etários, sofrem a influência de múltiplos fatores físicos, psicológicos, sociais e culturais, de tal forma que avaliar e promover a saúde do idoso significa considerar variáveis de distintos campos do saber, numa atuação interdisciplinar e multidimensional.
Neste contexto emerge a questão da Aids na velhice. Mais do que uma doença, a Aids configura-se hoje como um fenômeno social de amplas proporções, impactando princípios morais, religiosos e éticos, procedimentos de saúde pública e de comportamento privado, questões relativas à sexualidade, ao uso de drogas e à moralidade conjugal, isto para ficar nas problemáticas mais evidentes.
O novo perfil no curso da epidemia da Aids aponta para crescente o número de casos na faixa etária acima de 50 anos. As estatísticas nacionais apontam um total de 30.827 casos de Aids em maiores de 50 anos no Brasil, dos quais 8.339 em pessoas com idade de 60 anos ou mais (Brasil, 2005). Considerando que a subnotificação de casos no Brasil varia de 24 a 65%, pode-se concluir que este número pode ser bem maior (Oliveira e Cabral, 2004). Feitoza, Souza e Araújo (2004) ressaltam que a doença nesta população específica apresenta grande relevância epidemiológica, não pelos números absolutos, mas pelas taxas de incidência (7,6 casos p/1000.000), prevalência (224,9 p/ 1000.000 hab. no sexo masculino), letalidade (43,9%) e anos potenciais de vida perdidos (em até 15 anos). Entre as causas apontadas estão as notificações tardias, poucas pesquisas na área, confusões no diagnóstico e resistência ao tratamento. Entretanto, segundo Lieberman (2000), a possibilidade de uma pessoa idosa ser infectada pelo HIV parece ser invisível aos olhos da sociedade e aos dos próprios idosos.
o plano da assistência aos soropositivos para o HIV, os serviços de saúde passam a lidar com uma população específica, com demandas diferenciadas que exigem um manejo de características peculiares. O fato de a sexualidade e uso de drogas nesta faixa etária serem tratados como tabus, tanto pelos idosos como pela sociedade em geral, contribui para que a Aids não se configure como ameaça, levando os profissionais de saúde a não solicitarem o teste HIV nos exames de rotina, também em decorrência da associação dos sintomas a outras doenças (Alzheimer, câncer etc), ocasionando diagnóstico tardio, uma das principais razões de morte precoce. Entretanto é o apoio emocional ao paciente, ajudando-o a lidar com as questões de ordem afetiva, fundamentais para a adoção de práticas voltadas para o auto-cuidado, que ainda sofre conseqüências do despreparo que envolve o trato psicossocial da doença.
Os estigmas que acompanham aspectos relacionados à Aids constituem, ainda hoje, um bloqueio ao atendimento e assistência ao portador do HIV (Malbenguier, 2000). Além disso, a complexidade deste trabalho tem um duplo efeito sobre o profissional: além de acarretar um enorme desgaste psicológico, dificulta a identificação dos principais fatores deste desequilíbrio, multideterminado pelo medo, falta de informação, crenças individuais e principalmente pela forma fragmentada com que a doença é encarada nos meios especializados. A isso adiciona-se o risco de contaminação implícito nas relações do profissional de saúde com o paciente, através de exposição acidental a material biológico potencialmente contaminado, no transcurso do seu trabalho. Os próprios profissionais têm reconhecido, num primeiro momento, o estigma e o medo, seguidos de sentimentos de desconforto e perplexidade, que representam fortes barreiras à realização de vínculos significantes com o paciente soropositivo (Figueiredo, 2001; Saldanha, 2003).
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