O estudo do desenvolvimento da moral tem sido estudado por várias áreas da psicologia, sendo que a contribuição de KOHLBERG dominou os estudos sobre a moralidade nas últimas três décadas, retomando e aperfeiçoando o modelo piagetiano. (BIAGGIO, 1997, ESPINDOLA)
Assim KOHLBERG (1927) definiu três níveis, subdivididos em seis estágios do desenvolvimento moral, sendo que cada estágio representa uma definição própria dos conceitos morais básicos, estabelecendo entre eles uma sequência hierárquica de progressiva diferenciação e integração. Os tipos superiores de pensamento moral interagem e substituem os inferiores. Estes estágios são universais e definitivos, verificam-se em todas as culturas e sucedem-se segundo uma sequência invariável. Uma vez atingindo um estágio superior não há retrocesso. Os estágios então traduzem formas cada vez mais elaboradas e racionais de justificar as decisões e de solucionar os conflitos. (BRANCO, 1996)
No filme “Pecados Íntimos”, deparamo-nos com personagens de diferentes personalidades e que de certa forma se enquadram nos estágios do raciocínio moral estabelecidos por KOHLBERG (1927). Estes são pessoas que estão envolvidos em situações conflitantes e que submergem a questão do desenvolvimento da moral, as regras, a noção de certo ou errado, enfim, são indivíduos que ao mesmo tempo que estão “presas” a um estágio estão também em busca do desenvolvimento e até mesmo do progresso. Por isso a análise da teoria de KOHLBERG, relaciona-se com alguns personagens do filme.
No Nível I, o da moralidade pré-convencional, KOHLBERG (apud HELEN BEE, 1997) coloca que os julgamentos dos adultos baseiam-se em fontes autoritárias que sejam superiores a eles, e o que as pessoas utilizam para julgar o que é certo e errado é mais externo do que interno. E consequentemente é o resultado de suas ações que determina a correção ou o erro das mesmas.
Estágio I – Orientação para a punição e a obediência. Segundo os escritos de KOHLBERG (apud ROBERT V. KAIL, 2004), o estágio mostra que as pessoas acreditam que os adultos distinguem o certo do errado, contudo, uma pessoa deve fazer o que os adultos julgam ser certo para evitar a punição.
Estágio II – Individualismo, propósito instrumental e troca. A ação moralmente correta é definida em relação ao prazer ou satisfação das pessoas. Mas também levando em consideração a preocupação com o outro em beneficio próprio ( KOHLBERG apud HELEN BEE, 2003)
No nível II, o convencional, de acordo com KOHLBERG, (apud ROBERT V. KAIL, 2004), ressalta que a tomada se decisão dos adultos é baseada em normas sociais e no que é esperado pelos outros.
Portanto no estágio III, o da moralidade do bom garoto, da aprovação social e das relações interpessoais, o comportamento moralmente certo é o que ganha a aprovação de outros. Neste estágio, surge a concepção de equidade através da qual a concordância de que é justo dar mais a uma pessoa que esteja desamparada (BIAGGIO, 1997).
E no estágio IV, o da moralidade do sistema social, os adultos prezam que os papéis sociais, as expectativas e as leis existem para manter a ordem e o bem em uma sociedade (ROBERT V. KAIL, 2004).
No terceiro e último nível o pós-convencional, as decisões morais se baseiam em princípios morais pessoais (KOHLBERG apud ROBERT V. KAIL, 2004).
Estágio V – A orientação para o contrato social democrático. As leis não são mais consideradas válidas pelo mero fato de serem leis. O individuo admite que as leis ou costumes morais podem ser injustos e devem ser mudados. Obrigação de cumprir a lei em função de um contrato social: protege seus direitos e os dos outros. Distinguem perspectivas, coordena-as e começa a hierarquizá-las do ponto de vista de uma terceira pessoa moral, racional e universal (BIAGGIO, 1997; ESPINDOLA, ANO).
Estágio VI – Orientação por princípios éticos universais. KOHLBERG (apud HELEN BEE, 1997), definia que nesse estágio o adulto elabora e segue princípios éticos para determinar o que é certo ou não. E esses princípios éticos são parte de um sistema de valores articulados e integrado, sendo analisado com cuidado e consequentemente sendo seguido.
O que pode ser percebido nesse ultimo nível é que, em relação ao desenvolvimento moral, é improvável que alguém cujo pensamento ainda é egocêntrico tome tais decisões morais, pois depende muito da experiência do individuo, levando-o a reavaliar o que é certo e justo. (KOHLBERG apud DIANE E. PAPALIA, 2000)
Para tal análise foram escolhidos quatro personagens marcantes do filme, sendo eles: Ronnie, Brad, Sara e Larry.
Ronnie é um personagem extremamente complexo devido ao seu passado, pois ele é um homem de 48 anos e que está se adaptando a um regime condicional, depois de ter ficado dois anos na prisão por ter se exibir a um menor. Ronnie mora com sua mãe que sempre o defende. Aterrorizados, os vizinhos formam um comitê de pais, onde um dos membros é um ex-policial que persegue Ronnie e sua mae, insultando-os quase todos os dias quando passa em frente a sua casa. Em uma dessas discussões, a mãe de Ronnie passa mal sofrendo um enfarte e acaba falecendo, o que deixa Ronnie transtornado levando-o a cortar o próprio pênis após ter lido uma carta deixada pela mãe onde ela pede para que ele se torne um “menino bom”. Após Ronnie ter cometido essa loucura ele vai até uma pracinha onde havia parquinho infantil, ele sangra e chama pela mãe de forma infantilizada. Enfim, o que acontece é que Ronnie obedece a sua mãe como se fosse uma criança que recebe ordens dos pais, pois ele só seria “um menino bom” se cortasse o seu pênis, pois assim não cometeria mais nenhuma atrocidade. Com isso podemos fazer uma ligação com o Nível e Estágio I da teoria de KOHLBERG (1927), que é o estágio da orientação para a punição, ou seja, se a criança é castigada e o comportamento for errado e se ela não for punida, significa que o comportamento está certo, elas, portanto obedecem aos adultos por estes serem mais fortes e autoritários. Percebe-se então que Ronnie aceita as regras morais que deriva da autoridade da mae, elas são aceitas de forma incondicional e a fim de evitar castigos. O caso de Ronnie é de uma pessoa que não sabe que cresceu, é justamente da regressão a uma fixação anterior da libido, na forma infantilizada como ele exerce sua sexualidade.
Brad é um homem casado e tem um filho. Aparentemente tinha uma boa relação com sua esposa, mas no fundo era insatisfeito com a vida que levava, pois sua esposa cobrava que ele passasse na prova da OAB, e que não ficasse apenas cuidando do filho e da casa enquanto ela tinha uma carreira profissional estabilizada. Mas não era o que Brad queria, pois ele gostaria de ser livre, de viver uma vida sem muitas cobranças, mas ao mesmo tempo estava em busca de prósperas mudanças. Então em um de seus rotineiros passeios com seu filho ao parquinho e a piscina do bairro, Brad conhece Sara, uma mulher casada que também está em busca de mudanças em sua pacata vida. Os dois se envolvem em uma aventura amorosa e sem se preocupar muito com os filhos e tão pouco com os respectivos parceiros, Sara e Brad decidem fugir. Essa situação pode ser comparada com o Estágio II, o do individualismo, propósito instrumental e troca, pois, Brad agia de forma que sua ação traria satisfação apenas para ele mesmo, não pensando nos outros ao seu redor e a atitude de fugir evitaria punições, pois ele não teria que dar explicações a sua esposa sobre o que se passava. Mas no final do filme Brad retoma seus conceitos, devido a um acidente que sofrera e decide não fugir e sim ficar com a mãe de seu filho.
KOHLBERG (apud HELEN BEE, 2003), no Nível II da moralidade convencional, no Estágio III, o das expectativas e dos relacionamentos interpessoais mútuos e da conformidade interpessoal, nos mostra que a tendência das pessoas é de que elas acreditem que o bom comportamento é aquele que agrada as pessoas. Essas podem ser tanto da família ou não, ficando claro para ela que o que realmente importa é ser bom. Assim sendo, podemos relacionar esse estágio como a personagem Sara, pois ela é uma mulher casada e tem uma filha, mas não está satisfeita com sua monótona vida de dona de casa e com seu casamento, portanto ela está em busca de uma auto-realização e em busca de ser boa o tempo todo, principalmente em relação à sua filha. E isso fica mais evidente quando Sara se envolve com Brad, um homem com os ideais de vida parecidos com os seus. Assim ela tenta fugir com ele levando Lucy. Até o momento Sara pensava somente em se livrar de um mau relacionamento que vivia dentro de casa e ser feliz com uma aventura amorosa, portanto agradando o seu novo parceiro e assim ela acaba esquecendo sua própria filha. Mas o mais interessante é notar que no final do filme Sara se depara em uma situação onde sua filha diz a ela “que tudo vai ficar bem” e ela retoma o conceito trabalhado por KOHLBERG (1927), onde ela tenta ser boa, não fugindo mais com Brad e ficando com sua filha e esse ultimo fato pode ser comparado com o estágio III, o da moralidade do bom garoto, da aprovação social e das relações interpessoais.
Larry é um dos personagens mais polêmicos do filme, devido a sua grande perseguição ao personagem Ronny. Talvez ele tivesse essas atitudes devido ao seu traumático passado, pois ele havia assassinado uma criança acidentalmente e com isso foi afastado do corpo militar e passou a liderar um grupo contra, portanto ele colocava sempre a moral em primeiro lugar. Mas sempre que voltava ao passado, Larry tinha dificuldades de enfrentar a situação. Diante disso, podemos fazer uma ponte com os estágios IV e V do desenvolvimento moral de KOHLBERG (1927) que são respectivamente: o da moralidade do sistema social e o da orientação para o contrato social democrático, sendo que no primeiro o teórico diz que os papéis sociais dentro de uma sociedade existem para manter a ordem e promover o bem as pessoas, então percebemos que Larry perseguia veemente Ronny por achar que assim estaria protegendo a vizinhança e a sociedade contra a pedofilia. Já no estágio V, percebe-se que o que ocorre é uma mínima mudança, pois o sujeito adere a um “contrato social”, onde as expectativas e leis beneficiam a todos os membros do grupo, ou seja, Larry fez de tudo para proteger a sociedade contra o pedófilo, criando o “grupo de pais”
Em relação ao estágio VI que é o de princípios éticos e morais, não foi encontrado no filme nenhum personagem que se enquadrasse para tal análise, pois trata-se de um estágio em que o individuo precisa ter um desenvolvimento moral bem elaborado e consistente, o que não é o caso dos personagens do filme.
Analisando os estágios do desenvolvimento da moral, conclui-se que diante os mesmos podemos dizer que um indivíduo passando pelo desenvolvimento moral, pode ocorrer variações dentre os seis estágios, não indicando que eles tem sido anulados ou perdidos, mas sim que a complexidade e a variação perspectiva dentre aos decorrentes estágios, mostra o quanto eles se diferem e podem se repetir diante dos indivíduos, ou seja, KOLBERG (1927) sugeriu que esses estágios formam uma sequencia invariável, sendo que os indivíduos passam por eles na ordem listada e apenas nessa ordem. Assim, se sua perspectiva dos estágios está correta, então o nível de raciocínio moral deve estar fortemente associado à idade e ao nível de desenvolvimento cognitivo. (ROBERT V. KAIL, 2004)
O sexto estágio, relacionado aos princípios éticos e morais, não pode ser identificado com nenhum personagem, pois estes não seguem princípios éticos e morais que são descritos em tal estágio, pois “o nível de raciocínio moral deve estar ligado ao comportamento moral”. (ROBERT V. KAIL, 2000).
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